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Criticas

Um Pombo Pousou num Galho Refletindo sobre a Existência

Titulo Original: En duva satt på en gren och funderade på tillvaron

Filme sueco trata a morte com humor e irreverência, sem constrangimento

Adalberto Meireles | Jornalista

Não há como fugir ao lugar-comum: você pode amar, odiar, mas jamais passar batido por um filme chamado Um Pombo Pousou num Galho Refletindo sobre a Existência. Menos pelo tamanho (isso não é novidade, a italiana Lina Wertmuller era pródiga em títulos enormes), um tanto por ter ganhado o Leão de Ouro no Festival de Veneza de 2014 e mais pela ousadia de ser um corpo estranho e combativo em meio a tanta caretice que impregna o cinema convencional.
 
A despeito de ser um filme reflexivo, como demonstra o título, do tipo cabeça, que provoca tremor só em pensar, Um Pombo Pousou ganha o espectador  pelo potencial de estranheza que causa com sua narrativa, se é que as historietas que o compõem podem ser definidas assim. 

Com humor ferino pairando sobre o absurdo da existência, a inexorabilidade da morte e o paradoxo da vida vistos sem constrangimento, o diretor sueco Roy Andersson encerra uma trilogia formada por Canções do Segundo Andar (2000) e Vocês, os Vivos (2007).
 
O filme é todo feito de esquetes. São cerca de 40 pequenas narrativas que se encontram, se separam, concorrem entre si e alinhavam-se com dois personagens quase onipresentes como vendedores de entretenimento oferecendo aos clientes, guardados em uma mala, enormes caninos de vampiro, um saco de risada e uma máscara de um tio velho com um único dente. 
Sam (Nils Westblom) e Jonathan (Holger Andersson) parecem clowns de Shakespeare ou, ainda mais, os personagens que trilham o caminho incerto da fábula desesperançada de Samuel Beckett.
 
É o teatro a maior referência de Um Pombo Pousou. Claro, o teatro do absurdo, o Esperando Godot do autor irlandês, embora em boa parte as pequenas histórias façam sentido, mesmo que também possam lembrar o desconcertante Monty Python ou o cinema desagregador de Luis Buñuel no que tem de radical em torno da desarticulação dos sinais de tempo. 

O filme pode se situar tanto no presente quanto retornar ao passado sem mudança de espaço, embaralhando-os, por exemplo, ao retomar a marcha do rei Carlos XII da Suécia contra os russos quase da mesma forma como o cineasta espanhol fez com a Revolução Francesa em O Fantasma da Liberdade (1974).
 
A fotografia é quase monocromática. O tom pastel impregna os quadros fixos de planos médios em que se organizam os personagens pálidos com o rosto pintado de branco. Andersson começa com três minicontos sobre a morte: o homem que não consegue abrir a garrafa de vinho, o outro que cai inerte depois de pedir uma caneca de chope e porção de comida nada desprezíveis e a velha moribunda que se agarra a uma maleta.

O riso pode rolar solto, interno ou compassado neste filme em que as pessoas estão sempre desejando o bem aos que falam do outro lado da linha.