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Neruda

Titulo Original: Neruda

Vida, política e poesia em filme sobre Pablo Neruda

Adalberto Meireles

Ninguém espere um relato fechado sobre a vida de Pablo Neruda. Para Manuel Basoalto, a economia parece mais que necessária, embora o filme em muitos momentos assuma um tom grandiloquente. Neruda - Fugitivo faz um recorte na trajetória do autor de Canto General, assumindo como ponto de partida o discurso proferido pelo poeta chileno em 1971, ao receber o Prêmio Nobel de literatura em Estocolmo.

O filme torna-se então menos aquilo que parece ser – um relato chapa-branca sobre Neruda – para encontrar o eixo na reminiscência do biografado. O ano evocado é 1948, quando o então presidente do Chile, Gabriel González Videla (Max Corvalán), coloca o Partido Comunista na clandestinidade.

Eleito senador no Chile, em 1945, pelo Partido Comunista, com a chegada de Videla ao poder começa então um tempo de perseguição, e o poeta, deposto do cargo, inicia uma jornada pelo interior para fugir do país.

Em um primeiro momento Basoalto deixa-se vencer pelo registro enfadonho dos fatos. Parece que o filme vai desandar logo no início, quando o presidente cria um campo de concentração e manda vários líderes para a prisão. Depois de proferir o famoso discurso Yo Acuso, Neruda cai na clandestinidade. A narrativa concentra-se então nas estratégias de seus companheiros de partido para tirá-lo do Chile.

A dedicação de sua mulher, a artista plástica Delia del Carril, a Hormiguita, interpretada por Paulina Harrington, contrapõe-se aos momentos mais inquietantes entre uma e outra tentativa de pôr a salvo o poeta, vivido José Secall. Em certo sentido a narrativa assume estrutura de thriller. São muitos os personagens. Mal dá para saber quem é quem. Até que Neruda (e o próprio filme) depara-se com o que realmente parece valer a pena.


Na fronteira

Há um momento em que alguém diz que não mistura política e poesia, na tentativa de assegurar a tranquilidade de Neruda em seu retiro clandestino. Para ele, isso é uma infâmia, praticamente uma ofensa. A sequência define o filme. O poeta, ali, já havia deixado de lado a esperança de tomar um navio e seguir em direção à América Central e está na fronteira com a Argentina para seguir a pé e a cavalo em uma viagem perigosa pelos Andes.

No processo de definição de sua cadência, o filme é um relato de vida, poesia e política, tudo a um só tempo, como Neruda quis e fez acontecer. Basoalto vale-se de uma bem engendrada combinação de fotografia (Germán Uñero), trilha sonora (Juan Cristóbal Meza) e montagem (Luis Aguirre Albonico), que se equivalem na busca por uma atmosfera poética.

A natureza impõe-se em um ato que mantém arraigados montanhas, neve, rios, chuva e vegetação como uma cadeia elementar – indissociável do tempo e das sensações vividas pelo personagem. É por isso que os trânsitos dramáticos são absolutamente tênues, e aparentemente confusos, quando o filme encontra de fato a razão de ser.

Pouco importa se o Neruda menino (Francisco Silva) ou jovem (Fabián Cavada) fazem parte de um passado remoto. Eles estão ali vivos, praticamente juntos em um só momento atados pelo sentimento de nostalgia e pelo fio da memória do poeta em busca de liberdade.