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Que Horas Ela Volta?

Titulo Original: Que Horas Ela Volta?

Regina Casé é doméstica em filme sobre relações patronais

Adalberto Meireles | Jornalista

É muito cedo ainda, mas tem a ver. A imprensa internacional já fala na possibilidade de Que Horas Ela Volta?, de Anna Muylaert, ser candidato ao Oscar. E até em uma indicação de Melhor Atriz para Regina Casé (que vive uma empregada doméstica), repetindo Fernanda Montenegro em Central do Brasil (1998), do diretor Walter Salles.

A relação patroa/empregada é bem diferente nos Estados Unidos e na Europa, o que certamente influenciou na repercussão do filme, prêmio do público da mostra Panorama do Festival de Berlim, no início do ano, e de Melhor Atriz  para Regina Casé e Camila Márdila na World Cinema de Sundance.

Mudança

Que Horas Ela Volta? sinaliza e constata a mudança em Val, pernambucana que trabalha há dez anos como doméstica. Ela criou o filho da patroa, Fabinho/Michel Joelsas, e agora é confrontada pela própria filha (Jéssica/Camila), que chega a São Paulo para fazer vestibular para o curso de arquitetura.

Deixada com a avó ainda criança, a garota vai ditar novas regras às relações de classes naquela casa de família burguesa paulista. Faz sentido, portanto, ela ser uma estudante exemplar que disputa uma vaga na mais concorrida faculdade de arquitetura de São Paulo.

Pode-se evocar o recente Obra, de Gregório Graziosi, em que o homem e a construção se amparam e correm juntos, dependentes de um eixo. No filme de Muylaert a questão é a família, estrutura em meio à qual Jéssica se move como um anjo exterminador.

Na piscina se operam situações exemplares já no começo do filme. Espécie de faz-tudo na casa de Bárbara (Karine Telles) e Zé Carlos (Lourenço Mutarelli), Val coloca a criança para nadar. O menino faz a pergunta que dá título ao filme e acontece então o milagre do tempo no cinema. Fabinho já está um homem, pronto para dispensar mais carinho à empregada do que à mãe.

Sutileza

Jéssica transita com olhar inquiridor entre a tradição e a modernidade daquele lugar encravado em bairro abastado de São Paulo. Mas a piscina será o motivo da fratura definitiva das relações, e um eixo regulatório da disposição de Val em permanecer eternamente ou não como uma “pessoa da família”.

Profissional que dita tendência e estilo, Bárbara se contrapõe ao modo despojado e aquiescente do marido artista. A mulher estará definitivamente fragilizada quando sofre um acidente e vê a garota com Fabinho na piscina. Não por acaso, as duas situações acontecem quase ao mesmo tempo.

Drama bem-humorado que se impõe pela sutileza no trato das relações familiares, os excessos, por paradoxal que sejam, sinalizam alguma fragilidade do filme. A piscina como signo material desagregador indica isso, bem como a insistência em repisar as diferenças, e indiferenças, entre patroa e empregada no caso da garrafa térmica com xícaras em preto e branco.

São situações que talvez advenham da necessidade de fazer concessões mais do que necessárias, mesmo porque o filme detecta uma mudança no tecido social brasileiro e precisa cativar esse público ao qual se refere. Aliás, híbrido entre a criação autoral e produto de consumo fácil, é bom ficar atento ao desempenho de Que Horas Ela Volta? nos cinemas.